terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Miguelzim

“Miguilim não tinha vontade de crescer,

De ser pessôa grande,

A conversa das pessôas grandes era sempre

As mesmas coisas secas, com aquela necessidade

De ser brutas, coisas assustadas ”.

Manuelzão e Miguilim (Guimarães Rosa)



- Miguelzim?

- Que susto! Por que você está sussurrando?

- Não quero que ninguém me veja aqui.

- O que aconteceu? Não consegue dormir?

- Não. Posso te contar um segredo?

- Pode. Senta aí na beira da cama.

- Miguelzim... você é meu irmão mais velho. O pai diz que eu tenho que ser corajoso feito você.

- Você é corajoso. Você salvou a mãe daquela barata voadora, lembra?

- Eu sei. Mas é que quando chove assim, que nem hoje, me vem um arrepio por dentro. Esse barulho todo é Deus que fica bravo com a gente?

- A vó diz que é. Que quando cai o trovão perto do nosso ouvido, é porque precisamos arrepender dos nossos pecados.

- Eu tenho medo, Miguelzim. Você acredita em assombração?

- Assombração não existe.

- Mas a Martinha já viu. Ela jura que já viu.

- A Martinha é mentirosa. Ela diz isso pra você ficar com medo. Eu não acredito nela.

- Mas ela é mais velha que você.

- Não acredito e pronto.

- Miguelzim?

- Oi.

- Não conta pro pai que eu vim pro seu quarto?

- Não vou contar.

- Nem se a gente brigar feio um dia e você ficar com muita raiva de mim?

- Isso eu não posso garantir. O que você faria pra gente brigar feio?

- Não sei. Você é meu melhor amigo.

- Então pronto. Seu segredo estará bem guardado.

- Miguelzim?

- Oi.

- Você, quando era assim mais pequeno, que nem eu, tinha medo de trovão?

- Tinha. Eu me cobria todo até o alto da cabeça e ficava encolhidinho na cama, até o barulho passar.

- Você era mais corajoso que eu.

- Não era não. Eu nunca matei uma barata voadora.

- Posso segurar sua mão só um pouco?

- Pode.

- Amanhã o pai vai me dar uns trocados pro lanche. Te compro um refrigerante no recreio.

- Não precisa.

- Você é o melhor irmão, Miguelzim.

- Agora fica quieto. Não há jeito melhor de perder o medo de trovão do que ouvi-lo indo embora. Percebe como o barulho vai ficando cada vez mais raro?

- É verdade.

- Acho que você já pode ir pro seu quarto. Não há mais perigo.

- Tá bom.

- Fecha a porta.

- Miguelzim?

- Oi?

- É tão mais fácil ser corajoso ao seu lado.


11 comentários:

lô colares. disse...

e eu não teria como concordar mais com o que você disse. acho que nunca é amor sem liberdade.

mas é que esse poema não é sobre o que eu penso, fiz ele pra alguém que precisava disso em determinado momento. às vezes as pessoas precisam de raízes, e enraizam tudo ao redor delas pra não se sentirem tão sós.

enfim, seus textos são ótimos
como sempre.

Luciana Brito disse...

que bonito... às vezes só precisamos de alguém conosco para nos sentirmos mais fortes.

beijo, Lipe.

Carla Dias disse...

Me fez lembrar da minha irmã. Acredita que até hoje ela pede pra dormir comigo, de vez em quando?
Lindo, Lipe.

Beijo doce, do jeito que merece.

gabi disse...

eu gosto do som do trovão, sabe?
nunca tive medo, ainda bem, porque se tivesse talvez já teria morrido sem ninguém pra segurar a minha mão :s

# gosto tanto dos seus textos... uma pena você ser silencioso assim, vai e volta e às vezes eu te perco de vista :~

# romântica ensandecida, hã? certo. haha (:

Anônimo disse...

Essa cumplicidade, duplicidade que só os irmãos sabem ter.

segura sempre na minha mão.. não por nada, não que eu tenho medo, às vezes eu até tenho, mas com você tudo é tão mais meu, tão mais aceitável.

irmão. IRMÃO!

:*

Ju Fuzetto disse...

Filipe...

Uma mão que segura outra dá uma certa coragem, sabe...

Fantástico tudo por aqui. Não vou perder de vista este cantinho, já virei fã!!

Ps: Obrigada pela visita e carinho lá no meu cantinho

beijos.Se cuida

Tainá Facó disse...

Felipe,

Que texto mais lindo!

Com certeza uma mão-amiga nas horas dos medos, das angustias e depressoes nos dão mais coragem pra enfrentar. Se pelo menos metade to mundo pensasse assim. Ajudar alguem me faz tão bem, vivo me questionando como pode tantas pessoas menosprezarem esse bem-estar que nos faz se sentir mais VIVO.

Beijo.

Rebeca Postigo disse...

Lindo, lindo, lindo!!!
Adorei a narrativa leve e encantadora...
Gostei do teu espaço...

Bjs

Laura Kerstenetzky disse...

O bom e velho trabalho de ser irmã mais velha. O amor nos dá coragem pra enfrentar nossos medos e os daqueles que precisam de nós. Adorei seu texto.

Laura Kerstenetzky disse...

O bom e velho trabalho de ser irmã mais velha. O amor nos dá coragem pra enfrentar nossos medos e os daqueles que precisam de nós. Adorei seu texto.

Aline Azevedo disse...

Filipe,

Primeiro, obrigada por ter voltado. Eu senti saudades de ler essas palavras tão.. simples e ricas de significado. De verdade. Pensei até em te escrever, contando que comecei a ler seu blog há, sei lá, 1 ano e cacetada. E posso dizer que você foi um dos meus ídolos, que me impulsinonaram a escrever. Eu não mostrava o que eu escrevia. Mas eu aprendi que a gente não tem que ter medo, sabe? Com você. Que, talvez, nossas palavras, façam alguém achar um rumo, como muitas vezes achei nas suas, mesmo que nunca na vida eu tenha falado com você como pessoa. Quantas vezes você já não me curou de choros? Ou de raivas? Não sei. Não sei também como te agradecer. Só agradeço mesmo por ter voltado.

E, novamente, você vem com essas palavras. Com esse texto de tirar o fôlego. Pra mim, coragem é, acima de tudo, ele admitir ao irmão que tem medo.

Beijo, procure não sumir mais.