De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto
(Soneto de separação – Vinicius de Moraes)
Éramos matina nos olhos dos outros. Amizade que parecia casamento. Afinidade como aquela entre Diadorim e Riobaldo. Vivíamos o tabu de que homem e mulher não se podem ter por amigos. É bem verdade que tentamos um namoro. Lembra? Mas não passou de palavras, de meias conversas, de intenções que morreram quando veio a descoberta que o encontro das nossas carnes poderia abafar o do espírito.
Éramos cúmplices de todos os dias, de todas as vezes. Os risos trocados em sala de aula, os olhares-segredos cuspidos em momentos inoportunos, as mãos batendo sobre a mesa em ritmo de marchinha, música que íamos criando, sem nem saber que era poesia. Ficávamos naquela de um ser o outro e do outro ser o um, querendo cada dia mais semelhanças. Escrevíamos. Nossas letras trocadas eram a essência do eu te amo que pronunciávamos de lábios fechados, com todas as sílabas. Você me ensinava seus gostos, eu te ensinava os meus. Permutávamos.
Engraçado lembrar que antes, quando nossa aproximação nada mais era do que coleguismo, parecíamos moleques dados à rixa. Trocávamos chicotadas, zombarias, apelidinhos maliciosos. Uma criancice ingênua que não nos permitiu a amizade de supetão. Crescemos e nosso encontro se deu debaixo da pele, em qualquer lugar que nunca buscamos, por imaginar nunca existir. Você. Eu. Em uma dança demorada, na sala escura ao som de uma música nossa. Você com os braços enleados no meu pescoço, conduzindo meus passos desajeitados, meu descompasso nato, meu nervosismo de ter seu coração batendo junto ao meu. Dançamos a vida inteira.
De repente, não mais que de repente, como se já tivéssemos lido Vinicius em algum momento de nossas vidas, como se já houvéssemos desejado o fim de algo que nunca acabaria, acabou. Os dedos sinalizaram um adeus tímido e os olhos penderam para baixo juntamente com a cabeça e com o resto do corpo. Nos perdemos em qualquer esquina. Estranhamos um ao outro em encontros posteriores. Você não cabia mais
Nosso último abraço, palavras doídas ditas sem necessidade. Como se houvesse um rancor implícito pela distância inevitável. Fizemos tudo ao contrário do que tinha sido. Éramos opostos, agora. Quando foi que nosso liame se rompeu de forma tão insana? E você que dizia sermos eternos. Lembro de você escrever: “pelo menos sei que quando eu morrer terei você pra dizer coisas bonitas ao meu respeito; e então eu ficarei.” Retruco agora: as coisas bonitas não se escrevem. Eu poderia tentar um dia. Mas eu me mataria de desprazer. Bom mesmo são as lembranças e aquele cheiro de época distante que perpetua pelos cantos.
De longe, prevejo seus traços. Futuro bonito te espera.