domingo, 30 de agosto de 2009

Se você quer ser minha namorada


...você tem que me fazer um juramento
De só ter um pensamento
Ser só minha até morrer...

(Vinicius de Moraes e Carlos Lyra)


Se você quer ser minha namorada, precisa saber que eu não durmo com a luz acesa e que acordo ranzinza com qualquer iluminação atingindo abruptamente o meu rosto. Mas que eu acordarei contente se meu sono for interrompido por constantes beijos seus em efeito cascata. Precisa saber também que eu costumo acordar de mal-humor e será bem possível que, apesar dos beijos, eu resmungue qualquer coisa, embora por dentro eu esteja imensamente satisfeito.


Se você quer ser minha namorada, precisa saber que eu serei um velho reclamão. Que eu tenho o péssimo hábito de ser metódico e querer as coisas em seus devidos lugares. Mas que eu sairei do meu eixo quando você apontar na soleira da porta enquanto eu estiver lendo Grande Sertão: Veredas, me iscando para qualquer programa a dois. Não será difícil eu me render a duas palavras suas depois de um afago e de algumas promessas. Aquelas bregas, de amor.


Se você quer ser minha namorada, deve saber que sou indeciso. Encontro todas as variáveis possíveis e até as impossíveis. Prefiro o certo a arriscar. Talvez você pense que isso nos fará ter uma vidinha monótona, mas eu prometo ser imprevisível quando você estiver desprevenida. Chegarei com duas passagens de avião para Ravena e uma proposta em um papel timbrado com minha caligrafia trêmula.


Se você quer ser minha namorada, há de entender meu gosto pelo silêncio e a desnecessidade de briguinhas por ciúmes. Mas se aparecer um cara de gestos e palavras impróprias, querendo levar você para longe de mim, eu buscarei força na minha vontade de ser lutador de judô e despejarei nele qualquer coisa parecida com um aviso bem dado. Não serei louco. Serei inteiro de você.


Se você quer ser minha namorada, terá de ser amiga quando meus rancores se esvaírem em lágrimas de dor. Seu colo será meu divã terapêutico e suas palavras como remédio. Sugiro que você cante Toquinho nesse momento, daqueles sambas que fazem meus pés ganharem vida própria e quererem caminhos novos. Caminhos de perdão. E que você não ria depois, me contando como sou feio enquanto choro, imitando minhas caretas. Isso me irrita e eu te beliscaria até você ficar toda roxa. E então eu te beijaria até a dor aliviar.


Se você quer ser minha namorada, precisa entender minha timidez e minha preferência por passeios reservados. Que eu terei vergonha do seu pai, por mais agradável que ele seja; e dos seus irmãos também. Mas para você eu me abrirei aos poucos, e você me folheará em leitura diária, descobrindo tantas outras coisas que nem eu mesmo sabia. Depois, deitaremos lado a lado, com os rostos em contato, respirando o sorriso demente que nos escapará dos lábios. Falaremos de futuro, de filhos e eu a abraçarei inteira, num prenúncio de amor.


sábado, 22 de agosto de 2009

Coisas de gente grande


Ele não sabia ao certo o que sentia por ela. Não entendia muito essas coisas de sentimento, talvez pela idade. O pai sempre dizia que alguns assuntos não eram pra crianças feito ele. Verdade é que ele se sentia homem, quase. Já não tinha medo do escuro e podia perfeitamente atravessar qualquer rua sem dar a mão a Maria. Até mesmo a Avenida Central, aquela onde os carros zuniam sem prestar atenção nos pedestres.


Suspeitou que pudesse ser amor e quis tirar a dúvida. O pai sempre lia jornais, sabia de todas as coisas, era o homem mais inteligente que conhecia. Certamente ele saberia dizer com precisão sobre o amor.


- Pai, amor é o que?


- É algo bom de sentir. – disse o pai que gostava de respostas breves.


- E como a gente sabe que é? – insistiu o menino, já que o pai não finalizara a conversa com o típico “esse assunto não é para crianças da sua idade”.


- Quando o trivial fica bonito de novo.


- Ah! – exclamou o menino, fingindo entender tudo.


Então devia ser amor mesmo. Melhor que fosse porque sabia que amor era um sentimento bom de sentir, como dissera o pai. O menino foi para o seu quarto de onde poderia vê-la. Sabia que todos os dias às seis da tarde ela chegava em casa esbaforida com uma roupa de ginástica apertadinha e entrava logo no chuveiro. Demorava em torno de vinte a trinta minutos e saía de lá aliviada. Ele conseguia ver boa parte de seus movimentos, embora a imagem dela não fosse tão nítida, mas apenas um ponto quase apagado no meio da casa. Teve a ideia do binóculo. Assim poderia amá-la de perto, concluiu.


Ele sabia, porém, que ela não era criança como ele. Era uma moça que vivia como adulto e conversava coisas de adulto. Por óbvio eles nunca namorariam. Talvez se ele tivesse uns onze anos como o Pedro, seu irmão. Ah, se tivesse onze anos, ele saberia coisas de adulto e poderia conversar com ela. O trivial seria tão mais bonito, pensou. Pegou o dicionário para ver o que significava aquela palavra dita pelo pai.


Certo dia, quando o tio fez uma visita à sua casa e sentou à mesa do jantar com eles, escutou uma nova palavra: amante.


- Amante é o que, tio? – perguntou o menino.


- Isso não é assunto pra você. – ralhou o pai.


- Não, Plínio, me deixa explicar pra ele. – e o tio se voltou para o menino – Amante é uma mulher que não pode ser esposa. Geralmente ela é mais jovem e mais bonita, mas não pode ser amada.


- E por que ela não pode ser amada? – o menino não podia acreditar numa coisa dessas.


- Porque se elas forem amadas, as esposas ficarão muito bravas.


- Chega desse assunto. – disse o pai e o assuntou acabou.


O menino achava a vizinha jovem e bonita, mas não servia para ser sua amante. As amantes não podem ser amadas, dissera o tio. E ele a amava, porém. Pensou na mãe que era esposa do pai. Melhor ser esposa do que amante, concluiu. Mas a mãe era tão bonita, tão jovem e sempre disseram isso. Vai ver toda mãe podia ser esposa e também amante. Difícil era entender essas coisas de gente grande. Tem regra até pra amar.


Resolveu que diria à vizinha sobre seu amor. Não tinha muita coragem pra ir até à casa dela e falar pessoalmente. Julgou que uma carta seria melhor. Escreveu. Rasgou. Não poderia dizer que gostaria de namorá-la, poderia? O tio disse que as esposas ficavam bravas quando descobriam essas coisas. A mãe era esposa do pai e, com toda certeza do mundo, acharia ruim se descobrisse que o filho tinha uma amante. Mas ele poderia explicar à mãe que não era amante, não. Porque amante não pode ser amada. A mãe acreditaria? Ela nunca foi de entender muito bem suas coisas.


Desistiu do amor e pegou o binóculo. Eram seis horas. Lá estava ela entrando em casa com a roupa de ginástica apertadinha. Tão jovem, tão bonita. Daria uma ótima amante. Ou uma esposa, pra ser amada. Mas era difícil amar no mundo dos grandes. Uma pena.


sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Um brinde às ex-namoradas


- Um brinde às nossas ex-namoradas.


- Saúde!


- A elas que negaram todas as nossas qualidades e entupiram de defeitos a lista do nosso perfil.


- Do nosso perfil!


- A elas que nos chamaram de mulherzinha porque gostávamos de poesia e escrevíamos coisas bonitas que elas nunca entendiam e nem nunca vão entender.


- Jamais.


- A elas que não respeitaram nossa vontade de uma tarde preto-e-branco num abraço apertado com a solidão, assistindo filmes trágicos. Depois passando a noite em claro lendo um romance e pensando: eu poderia ter escrito isso.


- A elas que nunca entenderam a diferença de gostar e amar e saíam dizendo a torto e a direito que amavam loucamente, enquanto nós esperávamos o tempo certo pra falar de amor. Mas elas chamaram isso de pouco caso.


- A elas que morreram de ciúmes das nossas amigas, por mais feias que fossem. Que acreditaram sermos capazes de trair – o que podia até passar pela nossa cabeça, mas nunca se manifestaria em atos. Que não entendiam as notícias dos jornais e sempre quiseram ser mais ricas do que inteligentes.


- Burras!


- A elas que nos trocaram por outro em três semanas e fizeram questão de um desfile em público, colocando no orkut que já amavam e que era eterno.


- Coitadas.


- E que ao terminar o romance conosco, fizeram pose de bozinhas, mas cutucaram todas as feridas, cruelmente. Disseram que iriam sentir falta, choraram, mas também maltrataram.


- Depois foram embora e sumiram sem deixar rastro nenhum.


- Assim começamos a perceber o quanto termos distanciado delas só nos havia feito bem. As poesias voltaram a ter a atenção que mereciam e as tarde de filmes não ficaram mais comprometidas.


- Sem elas, tivemos de volta qualquer tipo de paz que nos permitiu sorrir.


- Ah, a paz. Welcome!


- E nos abriram as portas pra encontrarmos aquela. Aquela namorada que sempre viveu imersa em nossas poesias, mas não fora encontrada a tempo. Aquela que veio nos permitir sermos quem conseguimos.


- E amarmos.


- Juntos.


- Um brinde!


domingo, 9 de agosto de 2009

Mil vezes: te odeio


Odeio você estar em todo canto, em todo sotaque que escuto, em todo cabelo cacheado – agora nem tanto – e ter que me perguntar “será que é ela?”. Odeio você sempre tão cheia de doenças, sem aceitar minhas preocupações e mudando de assunto, despistando seus dramas particulares. Odeio sua falta de coragem em me telefonar, mesmo tendo todos os bônus do mundo. Odeio você não ter escutado o seu telefone tocar quando eu me muni de coragem pra te dar um alô.


Odeio quando você prolonga sua estadia em mim, mesmo depois de uma conversa azul-vermelha de mil duzentos e cinquenta e sete minutos. Odeio seus torpedos bonitos que me fazem ser brega nas respostas. Tão brega que desisto de responder. Odeio você escrever bonito desse jeito e me arrancar o fôlego quando usa sua poesia em qualquer tom. Odeio também saber que você escreve dez vezes melhor do que eu, mas nunca reconhece e fica se fazendo de chata, desfazendo do próprio talento.


Odeio quando você fala palavrão porque acha engraçado, embora não goste. Odeio você odiar minha repulsa por essas palavras erradas que eu não tolero mesmo. Porque você é poesia. E só. Odeio tanto, mas tanto, quando você não me deixa falar do quanto gostei de um livro ou de um filme e briga comigo depois, dizendo que perdeu o gosto. Odeio pensar que nunca tomaremos coca-cola juntos porque você é insuportavelmente saudável. E também que só tomaremos sorvete de cajá, pelo jeito.


Odeio seu lirismo, sua doçura impregnante, seus jeitos e suas palavras tão suas. Odeio, às vezes, me ver parecido com você e pensar que você tomou espaço demais em mim. Mas depois eu gosto. Gosto desgostando. Odeio você ter se afastado de forma brusca e insana, arrebentando todos os meus poros e me deixando um vácuo por meses que foram eternidade. Odeio ainda mais você ter voltado com a cara mais lavada do mundo, os cabelos baixos e as unhas vermelhas, me falando de esperanças novas, fazendo ressuscitar em mim algo que eu não queria.


Odeio você ter controle sobre meus sentimentos, me deixando atado quando aparece sorrateira em forma de neblina e me arranca pensamentos ousados. Não que eu realize tais pensamentos. Até porque, você me completa de forma tão eficaz que por vezes duvido ser você real. Odeio você rir da minha cara quando digo que você foi inventada e que é extensão dos meus desejos. E então eu começo a fingir ser alguém que não sou pra você achar que não me conhece. Você me descontrola e odeio.


Odeio quando você fala junto comigo a mesma coisa e me chama de previsível, sem esquecer que você também é. Odeio você nunca ter me forçado a gostar de Los Hermanos, que eu até passei a escutar mais frequentemente por sua causa. Odeio escutar Por onde andei sem poder te dar um abraço demorado e cantar junto com você essa música que se fez nossa quando nossa euforia era trocar e-mails com nomes de músicas. Odeio não receber mais cartas suas cheias de cola. E sua letrinha minúscula linda. E sua eternidade para me contar as coisas desinteressantes que, narradas por você, se tornam agradáveis.


Odeio você me encher de perguntas, me encurralando, me espremendo até eu ficar roxo e me fazer falar um monte de bobeira, só pra me livrar de você. Odeio querer você cada dia mais perto e não saber dizer isso da melhor maneira. Odeio ser tão besta diante de você e me sentir inerte diante das suas declarações doces e da forma como escreve meu nome, em miniatura.


Por fim, o que mais odeio é você me listar em tópicos que arrancam de mim sorrisos e lágrimas. Em réplica, tento expor você em argumentos odiáveis. E acabo descobrindo, então, que é amor. Porque eu não te odiaria com tanta precisão.


Coisas desse nosso encontro de palavras que se transforma em estalos no céu da boca. Notas de nós dois.


terça-feira, 4 de agosto de 2009

Quando você se foi


Quando você se foi, era noite fria de um junho comum. Era frio em mim que, em prenúncio duvidoso, fui me despedindo de forma razoável, sem me deixar doer. Eu quis abanar a mão e escoar em você um abraço interminável, daqueles que a gente se fecha um no outro, sem pedir permissão.


Quando você se foi, eu parei estático na soleira da porta, assistindo seu cabelo ser levado pelo vento a cada trejeito. Você, de costas, não viu minhas lágrimas traiçoeiras, meu nó na garganta, meus lábios que se abriam pra cantar uma canção. Aquela que nunca gostamos de ouvir.


Depois, refiz em mim cenas que me martirizaram. Recolhi-me em lembranças que te trouxeram de volta, pra perto, pra dentro, e me entornei de saudades doídas. Quis de novo nossas conversas na madrugada, quando a lua virava qualquer coisa muito clichê e a gente brincava de colocar apelidos nas pessoas que iam passando pela rua. Quando batia o vento frio, você se encolhia pequenina, em meu ombro, e me abraçava de um jeito que eu ficava desconsertado, sem saber se era hora de te beijar.


Nos nossos momentos de angústia, você me trazia um travesseiro e um chocolate quente em uma xícara grande que mal cabia na minha mão. Então, me contava histórias engraçadas do seu tempo de infância e a gente ria, como se a tristeza pudesse ser escondida. Nos seus lábios, as palavras pareciam guia de estrelas, chamariz de sossego, água mansa. E seu jeito de piscar duas vezes antes de cada espirro, seu desajeito com as garrafas térmicas e sua dança estranha que coreografava sorriso torto, em mim.


Quanto você se foi, resolvi que não iria junto, não. Precisei ver você indo pra ter a certeza de que era pra ser assim, desde sempre. Que as pessoas que se gostam não ficam juntas necessariamente. São coisas distintas, apesar de conexas. Deixei você ir, mas quis esperar você virar a esquina, porque minha esperança era que voltasse seu sorriso, dizendo que não ia acabar assim, não. Que seríamos. Que haveríamos. Que iríamos juntos, mas separados.


Vai, e toca sua música pras pessoas que merecem te ouvir. Encontre seu par, seu pôr-do-sol, descanse sua poesia em qualquer canto, em qualquer quanto. Eu escreverei. Não mandarei nada, prometo. Mas escreverei. Porque sempre fomos assim: as palavras nos acompanham em torrente. E eu só me desvencilho delas quando as cuspo no papel.


Ainda que a coragem me falte, meu recado: fiz de você retrato. Colei um pedaço em mim.